domingo, 28 de novembro de 2010

OBESIDADE NOS PAIS, DIABETES NOS FILHOS

Estudos epidemiológicos demonstraram há anos que filhos de obesos têm maior chance de se tornarem diabéticos. Até agora se acreditava que grande parte desse fenômeno se devia à adoção pelos filhos dos hábitos alimentares pouco saudáveis dos pais ou a genes que aumentavam as chances de diabete.

Estudo recente demonstrou que ratas com dieta saudável e cujas mães seguiram a mesma dieta se tornam diabéticas quando o pai era obeso e diabético. Em outras palavras, características adquiridas pelo pai são transmitidas. Leitor, se isso desperta um forte cheiro de lamarckismo, você não está enganado. A descoberta talvez seja o mais importante exemplo do que os geneticistas chamam de herança epigenética.

Apesar de Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829) ser um dos pais da ideia de que os animais evoluem e se tornam mais complexos sob pressão do ambiente, sua reputação é injustamente destruída nas salas de aula. Suas contribuições para a teoria da evolução nunca são ensinadas, mas seu grande erro, o de crer que caracteres adquiridos de um animal são transmitidos para a próxima geração, é usado para ensinar que uma das bases da teoria de Darwin é que isso não ocorre.

Quem não se lembra do exemplo da girafa? Para Lamarck, elas teriam pescoço longo porque, durante gerações, sempre o esticavam para comer as folhas do alto das árvores. Darwin demonstrou que isso não ocorre. Por séculos cortamos rabos e orelhas de cachorros e eles insistem em nascer com rabos e orelhas intactos. Filhos de cavalos amestrados nascem xucros. Filhos e pais vacinados nascem suscetíveis às doenças. Gerações que só falam português têm filhos capazes de falar qualquer língua.

Como Darwin sugeriu e os geneticistas demonstraram, é preciso que ocorra mutação no genoma e ela seja transmitida e selecionada para que uma nova característica apareça. Hoje sabemos que as girafas têm pescoço longo porque girafas mutantes, que nasceram com pescoço maior, levavam vantagem sobre as outras. Eram capazes de comer as folhas do alto e, mais bem alimentadas, deixaram mais descendentes. As outras morreram ou deixaram poucos descendentes. O balanço entre esses processos levou a um aumento do pescoço. É o processo de evolução por seleção natural descoberto por Darwin.

Mas toda regra tem exceção e há algumas décadas foi descoberto que o DNA de um ser vivo, além de poder sofrer mutações que alteram sua sequência, é modificado durante a vida pelo processo chamado metilação (adição de grupos químicos às subunidades do DNA). Quando adicionados, esses grupos podem alterar o funcionamento de um gene. O local onde esses grupos são adicionados é preservado quando o DNA é copiado e, assim, essas modificações são mantidas ao longo da vida de um indivíduo.

Grande parte dessas modificações não passa de uma geração para a outra, pois os grupos químicos adicionados são removidos durante a formação do novo ser vivo. Por isso, essas modificações são chamadas de epigenéticas. Elas ocorrem sobre o DNA e, por serem reversíveis, desaparecem ao longo do tempo. Algo semelhante com o que ocorre com um bronzeado ou nova língua.

Esse novo experimento demonstra que em, casos específicos, essas modificações epigenéticas podem passar de uma geração a outra. Parte delas, acumuladas pelo rato pai por ele ter recebido dieta rica em gorduras, é mantida nos espermatozoides e acaba no genoma da filha, que se torna diabética. É a exceção lamarckista à regra darwiniana. Cientistas creem que essas modificações são diluídas ao longo das gerações, mas isso terá de ser comprovado estudando os filhos dessas ratas diabéticas. No mínimo a descoberta dessa exceção forçará uma mudança no ensino das ideias de Lamarck.

Caso esse fenômeno seja detectado em humanos, nossa responsabilidade aumenta, pois uma dieta ruim antes da procriação pode afetar a saúde de nossos filhos. Os médicos terão mais um motivo para recomendar uma dieta saudável.

Fonte: Estadão