sábado, 12 de fevereiro de 2011

NA PATAGÔNIA CHILENA HIDRELÉTRICA ATORMENTA EMPRESÁRIOS

Do alto de uma trilha da pequena cidade chilena de La Junta, a empresária Constanza Palacios aponta para uma região que poderá ser afetada pela construção da usina hidrelétrica HidroAysén. Ali, áreas montanhosas se unem a bosques virgens, banhados por rios límpidos e ricos em minérios, o que os deixa com uma tonalidade esverdeada. A paisagem, segundo empresários locais, será cortada por torres de alta tensão caso o projeto da usina seja aprovado pelo governo chileno. Os defensores da instalação de represas em Aysén, no norte da Patagônia, afirmam que o Chile caminharia para a autossuficiência de energia limpa com a hidrelétrica. O projeto equivaleria a sete termelétricas, reduzindo a emissão de CO2, mas o argumento não é levado em conta pelos patagônicos, que se orgulham em viver em uma paisagem "intocada pelo homem". No caso da empresária, alterar o visual paradisíaco poderia significar o fim de seu negócio.
Foto: Fernando Diniz/Terra





Colombiana, Constanza Palacios, 47 anos, mudou-se para Aysén após conhecer seu marido, o chileno Alan Vásquez, 57 anos, pela internet, há cerca de oito anos. A paixão em comum por cães Schnauzers gigantes motivou Alan a viajar até Cali e conhecer sua então futura mulher. Constanza largou o emprego em uma papeleira, e Vásquez deixou a Bolsa de Valores de Santiago. Os dois decidiram viver em La Junta, onde administram uma pousada com nove quartos. Hoje, são considerados "grandes empresários" da cidade, que tem 1,2 mil habitantes e uma associação formada por apenas 43 estabelecimentos.

A cidade entrou em um desenvolvimento mais significativo em 2006, quando começaram a chegar melhorias como a telefonia celular e internet. Em 2008, a erupção do vulcão de Chaitén, que devastou a cidade de mesmo nome, afetou La Junta, dependente da comunidade vizinha para o abastecimento de alimentos e outros produtos. "Mas como toda tragédia, acabaram chegando melhorias. Agora temos aqui um médico e uma ambulância", disse Constanza. Nos últimos anos, tem aumentado o número de turistas que visita a cidade chamada de La Junta pelo encontro dos rios Palena e Rosselot, mas o futuro não parece animador quando se falam em represas.

O casal cita uma pesquisa feita pela Universidade do Chile em 2008. Segundo o levantamento, 70% dos turistas que frequentam a região de Aysén não voltariam à localidade caso a hidrelétrica saia do papel. O estudo projetou uma perda anual de US$ 40 milhões para o turismo - quantia equivalente à investida pelo setor privado nos últimos quatro anos em Aysén, segundo dados do Serviço Nacional de Turismo do Chile (Senartur). "Isso não nos afetaria, nos mataria", afirmou Constanza.

Pelo projeto, cinco represas serão instaladas nos rios Baker e Pascua, a cerca de 800 km ao sul de La Junta. Torres de energia seriam construídas ao longo de 1.960 km, para fazer a transmissão até uma central em Santiago, capital do Chile. "É como fazer um corte no rosto de uma bela mulher e deixar uma cicatriz", exemplificou Alan Vásquez. O romantismo da luta contra as represas não se restringe somente às falas de Alan e Constanza. Em toda a região de Aysén é comum ver cartazes e adesivos alusivos à campanha "Patagônia sem Represas". Alguns, mais radicais, colocam em seus carros a frase "Patagônia sem Políticos", pois alegam que a causa não é representada por nenhum homem público.

Responsável pelo turismo em Aysén, o diretor regional do Sernatur, Americo Eduardo Soto, é cauteloso. Apesar de reconhecer o impacto que as torres causariam na paisagem da região, Soto afirma que o projeto não foi "nem aprovado, nem reprovado", e que o prejuízo turístico e ambiental ainda deve ser quantificado pelas empresas que compõem a HidroAysén: Endesa e Colbún. "Queremos que se quantifique o impacto. Depois, se o projeto for aprovado, esse impacto deverá ser mitigado, reparado ou compensado com programas sociais ou promoções para a região, por exemplo", afirmou Soto.

Fora a possibilidade de causar danos à imagem da Patagônia, a inundação com as represas dos rios Baker e Pascua prejudicará 14 famílias, que terão de ser removidas. O dano é bem menor do que a polêmica usina brasileira de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará, com capacidade de 11,2 mil MW e um custo de R$ 19 bilhões. A hidrelétrica quando instalada poderá prejudicar aproximadamente 12 mil famílias, segundo estimativas do Ibama em 2010.

Águas privatizadas

As empresas Endesa e Colbún - ambas privadas, sendo a primeira com capital hispânico - detêm o direito de exploração das águas dos rios onde serão instaladas as represas da HidroAysén. No Chile, um decreto-lei da ditadura, de 1981, criou o Código das Águas, que dá permissão a pessoas e empresas para comprar e explorar livremente rios, lagos e águas vulcânicas, por exemplo. O fato de o projeto envolver capital estrangeiro inunda ainda mais a HidroAysén de polêmicas. Microempresários dizem que a multinacional não teria receio em cortar reservas nacionais com linhas de transmissão ou explorar minérios dos rios a que tem direito, poluindo as águas e prejudicando a pesca, considerada uma das principais atividades econômicas e uma grande atração turística da região.

Para o gerente regional de Operações da HidroAysén, Michel Noure, a campanha Patagônia sem Represas está cercada de mitos. "Parte dos manifestantes levantaram verdades que não são verdades. Por exemplo, que esse é um projeto que inunda a Patagônia. Ou que vamos passar com torres de alta-tensão pelo parque Torres del Paine, que está a cerca de 500 km ao sul do local das represas", disse. "O que fizemos foi desenhar um projeto com mais eficiência energética e com menor impacto ambiental possível. Negar um impacto é impossível."

A HidroAysén, que precisa responder 199 observações sobre possíveis prejuízos à região até o dia 15 de abril, estuda formas de "esconder" as linhas de transmissão na paisagem patagônica. A ideia é passar os cabos em locais distantes de mirantes ou por trás de grandes montanhas, por exemplo. "O traçado original, do primeiro projeto, idealizado em 1975, passava por Cerro Castillo, montanha que é um dos ícones da região. Em 2005, desenhamos um traçado alternativo", disse Noure, que descarta a instalação de cabos submarinos em toda a extensão do projeto, como defendem os patagônicos, já que custaria sete ou oito vezes mais.

Demanda

A decisão de aprovar ou não a HidroAysén tem como pano de fundo o crescimento do Chile, que deve triplicar sua demanda energética até 2020. Atualmente, a geração é em torno de 56% baseada em termoelétricas, sendo que o Chile só produz 4% dos combustíveis, como petróleo, gás e carvão. Traumatizado pelo corte do fornecimento de gás pela Argentina em 2007, o governo chileno tende a aprovar a construção das represas na Patagônia. O projeto está orçado em US$ 3,2 bilhões e oferecerá 2.750 MW ao sistema nacional, principalmente na região onde vivem 90% dos chilenos. Aysén não será contemplada pela energia gerada pelos próprios rios. Para compensar, a empresa promete investir US$ 85 milhões com a construção de pequenas empresas para gerar energia barata na localidade.

Além da HidroAysén, a construção de outra hidrelétrica na região pode ser aprovada. Por ser mais novo, o projeto da Energia Austral - afiliada à mineradora multinacional Xstrata - ainda não entrou no foco dos protestos na Patagônia. Apesar do barulho, o conformismo é um consenso entre os moradores de Aysén. Em conversas informais, os patagônicos admitem a fraqueza do movimento antirrepresas frente aos interesses nacionais.

Região de Aysén

Aysén é uma das regiões administrativas do Chile e tem como capital a cidade de Coyhaique. Fica localizada no extremo sul do Chile, mas ao norte da Patagônia. Com um terreno irregular e heterogênio, a região apresenta uma diversidade de paisagens, entre montanhas, pampas, rios e desfiladeiros, tendo mais da metade de seu território protegido em parques nacionais. É a terceira maior região do país, representa 15% do território insular e continental do Chile, e está dividida em quatro províncias e dez comunas.

Fonte: Terra

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