segunda-feira, 9 de maio de 2011

MULHERES TRAFICAM NAS CADEIAS E PRESÍDIOS NO BRASIL

O arrependimento já veio há algum tempo, em forma de tristeza, mágoa, revolta e saudade dos quatro filhos que deixou do lado de fora da Penitenciária Feminina do Distrito Federal, conhecida como Colmeia. Entretanto, durante cinco anos, Jani Fernandes de Jesus, 28, “achava muito fácil entrar com a droga” no Complexo Penitenciário da Papuda, onde levava entorpecentes para o marido, detido por assalto à mão armada. A sensação de impunidade, aliada à oportunidade do lucro e ao que ela defendia ser “fidelidade amorosa”, alimentou o tráfico. Mas o resultado foi desastroso. Após ser denunciada pela própria sogra, em 2009, Jani foi presa e condenada a seis anos de cadeia. 

Jani Fernandes  passou cinco  anos levando  maconha para o  marido na Papuda  e foi denunciada  pela própria sogra: dinheiro usado para pagar as contas (Fotos: Gustavo Moreno/CB./D.A Press)
JANI FERNANDES PASSOU 5 ANOS LEVANDO DROGAS PARA O MARIDO PRESO 
NA PAPUDA
Casos como o de Jani, segundo as autoridades, são recorrentes. Apenas na Colmeia, existem outras 136 mulheres detidas sob a mesma acusação — 27% das atuais 524 internas foram autuadas por levarem drogas aos companheiros ou parentes presos em outras instituições. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, esse percentual está em ascensão. Em maio de 2009, a proporção era de 22%. Só no mês passado, segundo a Subsecretaria do Sistema Penitenciário, 63% das mulheres presas no DF foram autuadas por tráfico.

No restante do país, o retrato é parecido. O último levantamento do Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça (MJ), aponta que 42% das 34.807 mulheres detidas em dezembro de 2010 respondiam por tráfico de drogas. De acordo com o MJ, a proporção de presas no país por envolvimento na venda de entorpecentes é maior do que o percerntual de homens (19%). Os números mostram que a tendência é que a quantidade de mulheres detidas por esse tipo de crime cresça cada vez mais.

Apesar do ato da revista, inspeção obrigatória para o ingresso e a saída de estabelecimentos penais, parte dos flagrantes ocorre não apenas por evidências materiais, mas pelo nervosismo ou até a “inexperiência” das visitantes, relata Jani. “Só fui presa porque minha própria sogra me denunciou. Mas a maioria das mulheres que levam drogas sabe do risco que correm. Mesmo que não tenham conhecimento no início, elas vão aprendendo na convivência com o companheiro”, afirma. 

Jani levava maconha para o marido “por necessidade”, e a droga acabava sendo vendida para outros internos. Com o dinheiro que recebia nas visitas, ela pagava o aluguel, as contas e as compras de casa. “Ele estava preso e eu estava sozinha com os filhos. Como a droga é valorizada dentro da cadeia, o tráfico representava um jeito de ganhar dinheiro”, conta. 

Segundo a delegada Deuselita Martins, diretora da Colmeia, muitas mulheres se envolvem com a venda de entorpecentes e especialmente no tráfico em área de segurança a partir do relacionamento com um parceiro já vinculado ao crime. “Elas se deixam levar por um amor doentio e correm o risco por eles. Agora, estão mais espertas, mas muitas que vêm para a penitenciária em função deles continuam se relacionando, mesmo que eles estejam presos também”, diz.

Quando a mulher é presa, mas o companheiro está solto, elas costumam ser abandonadas. “Na penitenciária feminina, a grande maioria das visitas são de mulheres. Os homens arranjam outras parceiras e acabam deixando as que perderam a liberdade”, conta Deuselita. O marido de Jani Fernandes, por exemplo, que já foi solto, nunca a visitou na Colmeia.

Obrigação

Antes de ser presa, Jani trabalhava como cabeleireira — atividade que também exerce na Colmeia. Ela conta que chegou a conseguir sustentar a família legalmente, mas se via obrigada a continuar traficando. “Meu marido virou um viciado. Não comia sem a droga e teve dois princípios de convulsão no presídio. Tinha medo que ele morresse. Eu era pressionada”, desabafa. “Não me vejo como criminosa. Na verdade, acho que não sou nem traficante. Sou uma mula, fui usada.”

Outro fator que agrava o problema ocorre sob a vigilância das próprias autoridades: o aliciamento de mulas. Uma visitante que não quis se identificar, abordada pela reportagem do Correio em dia de visita na Papuda, revela que a prática é recorrente: “Já me ofereceram R$ 1 mil para eu entrar com drogas dentro do presídio. As traficantes de verdade não entram, pagam as mulas para correrem o risco por elas”. Segundo a visitante, “é mais fácil encontrar entorpecentes dentro do presídio do que fora”.

Apoio ao crime

O sociólogo Ignácio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), lembra que, historicamente, as mulheres são usadas para fazer o transporte de drogas. “Em geral, a mulher no tráfico tem um papel de complementação, de apoio. A prisão de mulheres no tráfico internacional, por exemplo, é comum porque elas são menos suspeitas e mais recorridas.” De acordo com o sociólogo, as polícias vêm fazendo um esforço de processar as mulheres dos traficantes, ainda que por outros crimes que estejam vinculados à prática. Em relação ao tráfico de substâncias e objetos ilícitos para dentro das penitenciárias, Cano lembra que, mais nociva do que a entrada das drogas é o ingresso de armas e de celulares. 

Fonte: Correio Brasiliense

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