sexta-feira, 11 de maio de 2012

QUINOA GERA CONFLITOS NA BOLÍVIA

Classificada pela Nasa como um dos alimentos “mais completos” para o ser humano por seu alto teor nutricional, a quinoa virou o grão da moda e agora impulsiona uma disputa por terras que tem espalhado violência na Bolívia.

Quinoa
O cultivo do grão, usado por adeptos da alimentação saudável em todo o mundo, reacendeu uma disputa limítrofe entre as principais áreas produtoras do país. Segundo denúncias, as plantações ainda ameaçam causar a desertificação de uma região já inóspita para a agricultura.

O enfrentamento entre produtores de quinoa das localidades de Coroma e Quillacas (oeste) teria deixado oito feridos no mês passado, segundo relatos do governador do Departamento (Província) de Potosí, Felix Gonzáles, que vem pedindo ao governo central boliviano a militarização da área.

Em março, três camponeses de Potosí foram feitos reféns em conflitos na mesma região, segundo a imprensa local, quando a representação da ONU na Bolívia se prontificou para mediar o conflito. De acordo com o jornal La Razón, de La Paz, dezenas de bolivianos teriam sido feridos por pedras e a explosão de uma dinamite, e cem policiais foram deslocados para controlar a situação.

As localidades onde ocorreram os enfrentamentos estão dentro de uma área disputada por Potosí e o Departamento de Oruro, as duas principais regiões produtoras de quinoa para exportação na Bolívia e provavelmente no mundo. Quillacas fica em Oruro e Coroma, em Potosí.

Segundo Mario Martínez, porta-voz do governo de Potosí, apesar de os camponeses da região terem chegado a uma trégua recentemente, dividindo pela metade a produção da área, as tensões persistem. “Trata-se de um acordo frágil e, como estamos em época de colheita, poderíamos ter novos conflitos a qualquer momento”, diz Martínez, que acusa camponeses de Oruro de “tomarem pela força” 25% da safra da região em disputa. Os orurenhos negam.

Nova fronteira agrícola

A Bolívia é o principal exportador de quinoa, que é produzida em menor escala em outros países andinos e, recentemente, também nos Estados Unidos, Canadá e Brasil (a Embrapa tem um projeto experimental no Cerrado).

Na última década, as exportações bolivianas do grão aumentaram mais de 20 vezes, de US$ 2,5 milhões para US$ 65 milhões. Com a alta da demanda internacional, o preço do produto triplicou desde 2006.

- A rápida expansão da fronteira agrícola na Bolívia ajuda a alimentar as disputas – explica David Coronel, do Instituto Nacional de Inovação Agropecuária e Florestal (Iniaf) – Antes era preciso viajar de quatro a cinco horas a partir de Oruro para encontrar áreas cultivadas. Agora há quinoa a menos de dez minutos da cidade.

Um dos fenômenos causados pela “febre da quinoa” é o retorno de camponeses que haviam deixado as empobrecidas áreas rurais do altiplano boliviano para as cidades ou outras regiões do país. Alguns desses migrantes voltaram a se instalar em suas antigas comunidades. Outros preferem permanecer no campo apenas na época de semeio e colheita.

- Há até casos de bolivianos que estavam vivendo no exterior, em países como Brasil e Argentina, e agora estão voltando para plantar quinoa – afirma Juan Ernesto Crispin, da Associação Nacional de Produtores de Quinoa (Anapqui), que reúne mais de 1.200 produtores.

A disputa limítrofe entre Oruro e Potosí é centenária. As duas regiões reivindicam uma área de cerca de 250 km² com solos propícios para o cultivo de quinoa, mas também ricos em urânio e em rochas usadas na fabricação de cimento.

Para Sandro López, da Câmara Departamental de Quinoa Real de Potosí (Cadequir), autoridades departamentais estão usando os conflitos entre produtores de Coroma e Quillacas para esquentar a contenda e exigir um posicionamento do governo central. “A questão da quinoa é parte do problema, mas há muito mais em jogo”, defende.

Desertificação

Além dos conflitos, outro risco relacionado à febre da quinoa apontado por especialistas é que o cultivo pouco massificado cause desertificação em determinadas áreas.

O agrônomo Vladimir Orsag, que estuda a agricultura da região para a Universidade Mayor de San Andrés, explica que a quinoa é plantada em um solo frágil, cuja composição já inclui 80% de areia. O clima da região é seco e as temperaturas podem chegar a -30 graus.

- Com o boom dos preços no mercado internacional, há produtores que estão abandonando técnicas tradicionais e reduzindo os períodos de descanso do solo em favor de uma agricultura massiva – afirma – Praticamente só quinoa cresce nessa região do altiplano e se o cultivo não for racionalizado, poderemos ter um quadro de desertificação.

Nesse caso, segundo Orsag, uma migração de produtores poderia provocar novos conflitos como os ocorridos em Coroma e Quillacas. “A chegada de pessoas de outras cidades e regiões nas áreas produtoras de quinoa cria uma tensão latente, que só tende a aumentar caso haja um esgotamento do solo”, afirma Orsag, acrescentando que a quinoa também está ficando cara para o consumo dos bolivianos.

López, da Cadequir, também reclama que uma grande parte dos lucros com a venda da quinoa fica com quem exporta e comercializa o grão, e não com os produtores. Hoje, os camponeses bolivianos ganham cerca de US$ 1,60 pelo quilo da quinoa. Para o consumidor final, nos mercados de São Paulo ou Rio de Janeiro, o valor cobrado pode chegar a US$ 30 o quilo.

Alimento dos incas

Alimento muito consumido pelos incas, hoje a quinoa é usada em saladas ou no lugar do arroz. Segundo Clodomiro Carlos do Pinhal, o primeiro a importar a quinoa para o Brasil, o grão começou a se popularizar no mercado mundial por volta de 2007, passando rapidamente de restaurantes naturais às prateleiras de supermercados.

Nos anos 90, após pesquisas, a Nasa listou o grão como um dos alimentos que poderiam ser levados para abastecer a população de estações espaciais, principalmente por causa de seu alto teor de proteína.

Pinhal explica que começou a importar quinoa no Brasil em 2004, com uma remessa de 300 quilos da Bolívia. “Hoje já estou em 50 a 70 toneladas, e outros importadores entraram nesse mercado nos últimos anos.”

Fonte: Correio do Brasil

Nenhum comentário:

Postar um comentário